Pelotas / RS
quarta-feira, 4 de dezembro de 2013
MEU TEXTO EM COMIGO NINGUÉM PODE
Isabel Cristina
Silva Vargas
Pelotas / RS
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Retrato da
miséria
A primeira vez que ela apareceu na minha rua foi no início da
noite. Magra, franzina, cabelo preso atrás da cabeça, desgrenhado, a pele
escura, uma jaqueta surrada. Mexia no lixo na beira da calçada, que estava
dentro do coletor. Comia uma pera. Ambas nos surpreendemos. Eu mais ainda,
quando ela disse, quase pedindo desculpas por estar mexendo nos restos: É...
tive que comer essa fruta, pois tenho que alimentar bem o nenê. Surpresa
perguntei:- Não me diga que está grávida? A barriga era muito pequena, pelo
menos para mim, Ela para comprovar o que falara, levantou a blusa e me respondeu
que sim e que em breve nasceria.
Fiquei com muita pena por ela estar comendo do lixo. Pedi-lhe que
não fizesse mais isso que iria guardar comida para ela. E, assim fiz. Dava-lhe
leite, bolacha, fazia uma marmita com o alimento do almoço.
Após uns dias, ela parou de passar. Estranhei, mas como ela não
morava longe e a minha rua era trajeto para ela, imaginei que poderia estar
doente, Uma das vezes que nos falamos, indagando sobre a família para saber mais
de sua penúria, ela me contara que morava em uma casa de madeira que incendiara
e da qual nada mais sobrava. Filhos? Tinha quatro. Um havia morrido em um
incidente com a polícia no início do ano. Sua mãe também havia falecido. Pela
maneira como se expressou parecia sentir muito mais a falta da mãe do que do
filho. Este, pelo que parecia, dera-lhe muitos dissabores. Como se sua vida não
fosse uma sucessão deles. A menor, com dois anos, sua irmã que criava. Dera para
ela, pois tivera problemas na ocasião do nascimento. O companheiro fora embora e
ela não poderia criar.
Passados uns dez dias ela aprece em companhia de um homem mais
jovem. Disse-me que ele a estava ajudando e que o trouxera para confirmar a
veracidade de seu relato para as pessoas. O nenê que ela esperava tinha morrido.
Sentira as primeiras dores, rompera a bolsa e ao procurar por atendimento médico
em hospital mandaram- na embora. Não a atenderam de imediato. Ficou a espera.
Quando foi atendida, com rompimento de placenta horas depois, o nenê nasceu e
viveu uns minutos apenas. Como da outra vez levantou a roupa para mostrar os
pontos.
Fiquei perplexa. Completou que até deram um quarto muito bom para
ela ficar quando viram a situação dela e percebendo a possível demora no
atendimento.
Como sempre fazia, dei-lhe os alimentos que ela agradeceu, pedindo
que seu eu tivesse roupas de cama para dar que ela aceitaria, pois devido ter
perdido tudo ela ficava em uma peça de madeira que estava tentando erguer no
quintal da casa de uma amiga, porém o local não tinha teto ainda. Era, apenas,
uma lona e com a chuva e o parto o que ela tinha estava sujos de sangue e
molhado.
Finalizando nosso encontro disse-me que iria procurar alguém que
pudesse dar-lhe auxílio psicológico.
Em seus olhos, nem tristeza nem raiva. Apenas, resignação.
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